segunda-feira, 14 de março de 2016

Cultivar e preparar a própria comida ajuda a prevenir a obesidade


Defensora de um estilo de vida simples, a americana Vicki Robin, de 70 anos, já era uma best-seller com seu livro “Dinheiro e vida” quando se lançou num desafio: comer apenas o que fosse cultivado a poucas milhas de sua casa. A experiência foi relatada num blog que se transformou no livro “Blessing the hands that feed us: what eating closer to home can teach us about food, community and our place on earth” (Abençoando as mãos que nos alimentam: o que comer perto de casa pode nos ensinar sobre alimentos, comunidade e nosso lugar na terra).

Vicki passou o Carnaval no Brasil, cozinhando com Thais Corral no sítio Sinal do Vale, onde em 2013 implantaram o Laboratório de Comida Local. A escritora, que gosta de churrasco e das frutas frescas que saboreia desde sua primeira visita para o I Fórum Social Mundial, em 2001, diz que tem um ritual logo que pousa no Brasil: comer um pão de queijo quentinho. Nessa entrevista, ela fala sobre o desafio da alimentação local. 

Portal Obesidade Infantil NÃO (OIN): Em poucas palavras, o que você aprendeu comendo nos arredores de sua casa?

VICKI ROBIN: Como a maioria das pessoas em áreas urbanas, eu considerava que a comida vinha da mercearia. Afinal, é onde nós vamos comprá-la! Eu gosto de jardinagem, então não era uma ignorante, mas meus hábitos alimentares diários, minhas preferências e escolhas eram baseados em ter a comida do mundo inteiro a menos de 800 m da minha casa. Quando eu me comprometi a comer por um mês num raio de 16 km, descobri que os mercados locais não tinham comida local, exceto mel! Então, aprendi que eu – e quase todo mundo – dependo de um sistema alimentar industrial e global que favorece a quantidade sobre a qualidade; escala industrial sobre uma escala de produção menor; embalagem e transporte sobre frescor e sabor; fertilizantes e pesticidas sobre produção orgânica­. É brilhante do ponto de vista da logística, mas não da nutrição.

Nutrição não é algo que você acrescenta à comida como conservantes. Ela vem da saúde do solo onde as plantas crescem e da grama que os animais comem. Ela vem da natureza. O que nós adicionamos à comida pode fazê-la durar mais na prateleira e parecer mais bonita, mas esses produtos podem diminuir sua qualidade! Eu sou muito grata ao sistema industrial de alimentos por comidas que eu adoro, como pasta de amêndoas, frutas cítricas, azeite, sorvete e, claro, café. Mas estou sempre me deslocando para comprar comida de produtores locais. Agora, tenho carne, ovos, leite, vegetais e mesmo pães e queijos tanto quanto é possível ter em poucas centenas de milhas da minha casa. Eu também aprendi que conhecer as pessoas que cultivam a minha comida fortalece o senso de pertencimento e me dá uma oportunidade de apreciar o árduo trabalho de quem cultiva comida de qualidade. Na verdade, como menos quando cultivo a minha comida ou quando conheço o agricultor, porque eu respeito o trabalho envolvido.

PORTAL OIN: Pesquisas mostram que 33% das crianças brasileiras entre 5 e 9 anos estão acima do peso ou obesas. Como a opção por comer perto de casa pode contribuir para reduzir essa situação?

VICKI: Comida local é normalmente menos processada. Isso significa que não haverá adição de açúcar ou gordura, dois elementos irresistíveis para crianças que agregam calorias sem valor nutricional! Significa também que as crianças não podem lanchar comida empacotada entre as refeições, nem comê-las durante as refeições. Acrescentar refeições extras durante o dia acrescenta peso extra ao corpo. E, se elas lancharem, serão alimentos simples como uma fruta ou vegetal.

PORTAL OIN: Em muitos países, centros urbanos pobres são como desertos alimentares, sem a oferta de alimentos frescos. Como você vê esse processo e como é possível revertê-lo?

VICKI: Isso é verdade! Para comer, as pessoas recorrem a comidas ou lanches em pacotes, bebidas engarrafadas, normalmente adoçadas. Se você está distante de onde a comida é produzida, seu acesso a alimentos frescos é limitado. As pessoas chegam a acreditar que comida embalada é mais saudável e comida fresca é perigosa. Não sou uma especialista para dizer como mudar isso, mas meu palpite é que as crianças podem aprender na escola de onde vem a comida, podem cheirar e provar frutas e vegetais frescos, podem cultivar algumas mudas e plantar uma horta no jardim da escola, podem aprender coisas simples como assar abóboras ou batatas. Com esse tipo de educação, as crianças amam comer vegetais que elas mesmas cultivaram. Depois, elas vão para casa e ensinam seus pais. No Sinal do Vale, foi desenvolvido um programa escolar chamado “Aventuras dos Sabores”. Internacionalmente, o Movimento Slow Food incentiva que toda escola tenha uma horta. Eu desenvolvi o “Desafio 10 Dias de Comida Local”, um programa em que as pessoas se comprometem a comer perto de casa por um curto período de tempo. Quando você faz isso, descobre os alimentos da sua região e até da sua vizinhança. Há muitas receitas, por exemplo, com jaca, que é de graça!

PORTAL OIN: No Brasil, muitas dessas áreas são atendidas semanalmente por caminhões conhecidos como ‘sacolões’. Você conhece outras estratégias para aumentar o acesso a alimentos frescos?

VICKI: Eu não conheço o sistema brasileiro, mas nos Estados Unidos as pessoas cultivam verduras, como repolho e brócolis, em seus quintais ou varandas. Germinação é uma ação popular: pegue algumas sementes ou feijões, ponha de molho, drene e mantenha-as úmidas em ambiente arejado por uma semana até que as folhas verdes brotem. É muito fácil e nutritivo. Você pode fazer isso com sementes de abóbora ou lentilhas orgânicas. Nós temos um sistema em que grupos de famílias combinam com um agricultor específico a entrega de caixas com o que tiver de mais abundante uma vez por semana. Isso se chama agricultura comunitária apoiada. Algumas coisas também podem ser feitas por políticas governamentais, algumas por produtores em maior escala, algumas por produtores locais em parcerias com famílias, algumas no seu próprio jardim. 

PORTAL OIN: Atualmente, nós comemos mais, mas cozinhamos menos. Como você vê esse paradoxo? Por que estamos tão desconectados da comida e da cozinha?

VICKI: Por duas razões. Primeiro: se o pai e a mãe têm que trabalhar fora de casa, há pouco tempo para preparar refeições caseiras. Segundo: com comidas de pacote fica fácil satisfazer seu estômago, então cozinhar é legal, mas não é necessário. A agricultura em escala industrial consegue reduzir tanto o preço da comida processada que acaba ficando mais barato comer produtos feitos à base de milho do que o próprio milho fresco. Por causa desses dois fatores, não se aprende a cozinhar em casa nem se ensina na escola como uma habilidade para a vida. Se nós quisermos que todos tenham pelo menos um pouco de comida fresca no prato, nós temos que, como sociedade, encontrar meios para ensinar os jovens a cozinhar as comidas que mais gostam.

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